POR FERNANDO MOLINOS PIRES FILHO
Antes que alguém estranhe o título dado a este texto julgamos necessário informar que, embora não se constitua em um artigo de cunho científico, nele procuramos nos utilizando de uma metáfora, discutir com seriedade a questão da necessidade de se estabelecer uma estratégia para análise do atual quadro de exercício profissional na odontologia.
Hoje o conhecimento que temos toma como referência variados aspectos e preocupações colhidas em opiniões individuais e isoladas, manifestas, sobretudo, por profissionais da área que, empiricamente, as colhem em função das particularidades das atividades a que se dedicam.
Em grau muito menor, esse quadro se fundamenta em resultados de análise de elementos colhidos em estudos e pesquisas que levam em conta os determinantes e as causações mais gerais que decorrem do contexto sócio econômico e político da sociedade em que a odontologia se desenvolve. Modelo de análise que precisa ser valorizado no que toca a definição das políticas de saúde e no regramento das condições de trabalho seja no setor público como nas diferentes modalidades de nosso exercício profissional no setor privado.
Dito de outra forma, no momento atual, a compreensão da questão odontológica é pensada e tomada como se fosse “um problema em si”, descolado do contexto que a fundamenta e determina sua forma de organização e funcionamento.
Falamos, portanto, da necessidade de, criticamente, buscarmos na ciência, na pesquisa, na sociologia das profissões e na política elementos para definirmos maneiras de ganhar conhecimento válido e seguro sobre tal situação para, melhor fundamentados, buscar caminhos e soluções para os problemas e rumos que gostaríamos de dar à Odontologia e a prática de nossa profissão.
Outro aspecto que precisa ser considerado é o de que para além desse condicionamento estrutural a situação da Odontologia é adjetivada pelos momentos conjunturais por que passa nossa sociedade, para a qual ela é demandada, melhor dito, condicionada à contribuir, ajustando-se as necessidades de sua reprodução.
A busca por essa forma de compreensão analítica, entretanto, não deve desconsiderar a importância que, também, os avanços no campo da comunicação, da informática, da televisão, da internete, da telefonia móvel, tem contribuindo para tornar a difusão das opiniões um forte instrumento para levantar questões, problematizar situações e socializar sentimentos relacionados ao desenvolvimento e situação da odontologia: na verdade, gatilhos para a investigação mais apurada de fatos e situações por elas apontadas.
Assim, é inegável que precisamos outros instrumentos de investigação, outras estratégias de agir para levantar o véu das suposições e oferecer uma compreensão mais real da situação que vive a Odontologia e que se expressa nas dificuldades e problemas de nosso exercício profissional.
Mas, entendemos que a grande dificuldade que se apresenta para avançarmos nessa direção não repousa somente nesse aspecto de método.
Referimo-nos ao fato de não se perceber na categoria uma vontade explicita para envolver-se com essa questão.
A reduzida ou quase ausência desse tema na pauta dos eventos mais importantes tipo Congresso e jornadas odontológicas, não priorizam esse tipo assunto. Ocupam-se, muito mais de aspectos tecno-cientÍficos de nosso agir profissional, inegavelmente importantes do ponto de vista de nossas necessidades de permanente atualização e aperfeiçoamento, mas insuficientes para resolver as grandes questões que afetam a prática e o papel de nossa profissão .
Assim despertar a categoria para a importância e necessidade de um diagnostico sobre a real situação de nossa Odontologia torna-se uma tarefa das mais importantes para nós, como profissionais e para a sociedade que dela demanda nossos cuidados e serviços.
Pensamos que nesse momento destas considerações seria oportuno e apropriado nos apoiarmos no que oferece Rubem Alves no poema “O infinito na palma de sua mão” que utilizaremos como uma metáfora para reforçar a necessidade de engajar nossa categoria na reflexão sobre o tema. Diz ele:
“ Somos assim. Sonhamos com o vôo, mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o vôo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso que tememos: o não ter certezas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.”
Transferindo o que nos oferece o escritor em sua linguagem poética para a questão que apontamos neste texto podemos imaginar que as certezas presas na gaiola referem-se as convicções não fundamentadas dos problemas e dificuldades que temos nos utilizado para compreende-las e tentar enfrentá-las.
Tal equivoco ou impropriedade estratégica de nosso agir nos faz crer que para superá-la será preciso de todas “forças vivas da Odontologia” a realização de um grande esforço para revisar nossas “certezas” e chegar a um diagnóstico fundamentado da real situação que se expressa em nossos espaços de trabalho e que, em sua totalidade, configuram o verdadeiro ser de nossa Odontologia atual.
Essa é a contribuição que buscamos trazer para o debate com todos aqueles que, efetivamente querem voar. Não um vôo cego, ao contrário seguro, porque referenciado em um diagnóstico bem conduzido, a semelhança do que procedemos quando do atendimento de nossos pacientes.
Só dessa forma, abrindo as gaiolas que encerram nossas certezas (na verdades incertezas porque assentadas em uma verdade presumida) que nos libertaremos (fundamentaremos) para traçar novos caminhos, diferentes dos que temos nos utilizado e que tem se mostrado ineficazes para alterar a situação que julgamos insatisfatória, tanto no que se refere as nossas aspirações de exercício profissional quanto de respostas as necessidades de promoção de saúde em nossa sociedade.
Portanto, não estamos aqui, neste texto, a priori, apontando soluções, propomos apenas um desafio: o de criar uma vontade coletiva para enfrentar a “questão odontológica” a partir da definição de uma estratégia para levar a frente a construção de uma articulação interna na Odontologia que se ocupe de precisar a questão que levantamos.
QUO VADIS ODONTOLOGIA?
Como nos alerta Rubem Alves, para voar em direção a nossos propósitos, ao nossos sonhos, as nossas utopias é preciso ter coragem para enfrentar os medos das alturas, a dimensão das dificuldades e os silêncios das respostas às estratégias que temos nos utilizado para alcançar esse objetivo.
Nesse sentido, é preciso lembrar, que é exatamente nesse vazio que moram as nossas incertezas que precisam ter suas presenças reconhecidas, analisadas, avaliadas e tomadas não como impossibilidades definitivas, mas como combustível e espaço para a construção de novas certezas, mais fundamentadas e eficientes, para redirecionar a trajetória de nossos voos, os rumos de nossa profissão, abrindo portas das gaiolas da realidade que queremos ver transformada.
A isso chamamos de protagonismo! De forma prática, uma postura de reflexão sistemática e permanente para construir mecanismos e instrumentos que nos capacitem teórica e politicamente para implantarmos, solidaria e democraticamente, em todos os espaços de nossa prática novas maneiras e instrumentos de ação.
É esse o recurso instrumental que pode nos ajudar a reconhecer os gargalos que afetam e dificultam o aperfeiçoamento de nosso exercício profissional.
Se assim quiserem é esse procedimento ou estratégia que, se sistematicamente assumida, pode nos ajudar a, um dia, não termos de encarar a desistência, ou viver na gaiola dos cansados ou desiludidos. Ou o que pode ser pior: transformarmo-nos em seres sem confiança, derrotados e desviados dos objetivos que um dia imaginamos alcançar no exercício de nossa profissão.
Assim, para podermos contribuir com os objetivos que desejamos para fazer da Odontologia, de uma parte, um instrumento de contribuição a promoção de saúde em nossa sociedade e de outra um espaço de trabalho e realização profissional precisamos assumirmo-nos coletivamente como protagonistas do acontecer e não como espectadores passivos dos rumos de nossa profissão.
O êxito no desempenho desse papel é que pode dar a Odontologia legitimidade e reconhecimento na sociedade, contribuindo para promover saúde bucal, ingrediente fundamental da qualidade de vida de uma população, portanto garantia de direito de todos e responsabilidade do Estado conforme define nossa Constituição Federal.
Frente a isso a pergunta que empregamos “Quo vadis Odontologia?” antes de uma expressão de negatividade em relação as possibilidade para alterar a situação que caracteriza o atual estágio de desenvolvimento de nossa profissão deve e precisa ser entendida como uma provocação para a construção de um momento de reflexão, espaço de contra hegemonia para repensar sobre nosso protagonismo.
Também de forma metafórica o que queremos dizer é que precisamos nos comportar como navegadores e caminhantes que constantemente fazem uso da bússola, para navegar ou traçar rumos e trajetos mais seguros, menos demorados, para chegar ao lugar que querem alcançar, saindo da “gaiolas de incertezas” que os aprisiona.
Nessa perspectiva, é imprescindível trabalharmos firmemente nessa direção, sobretudo quando nos demos conta que o tempo passa e com ele nossas vidas e a daqueles que por dever de ofício juramos servir de forma a proporcionar-lhes saúde bucal para chegarem ao fim de suas vidas mais saudáveis, com dentes naturais de preferência.
Em resumo não basta denunciar e reclamar. Mais do que isso precisamos é conhecer precisamente nossos desafios pela utilização de uma “bússola” para pesquisar e encontrar novos caminhos.
Com base nisso vejamos, agora alguns aspectos importantes a respeito desse desafio.
SOBRE A NATUREZA DA QUESTÃO ODONTOLÓGICA E DOS DESAFIOS PARA ENFRENTÁ-LA
Em primeiro lugar precisamos entender que não há ação sem consciência da realidade concreta em que se pretende intervir. Os desafios precisam ser conhecidos em sua essência, e não apenas pelas e em suas manifestações.
Assim, só a capacidade de interpretar o mundo, não apenas de descrevê-lo, é capaz de nos colocar criticamente em relação a ele, nos percebemos nele, tanto no que nos oferece em termos de possibilidades e impossibilidades de transformá-lo para poder cumprir nosso papel profissional na sociedade, tanto na perspectiva de realização coletiva, quanto pessoal.
É a convicção de que podemos modificá-lo, no que, hoje, entendemos insatisfatório, como processo histórico, que nos dá conta de assegurar que nada é definitivo, tudo esta sendo e que nos estimula a desvelá-lo e compreender a lógica de seu desenvolvimento.
É essa operação que aponta e permite conhecer seus problemas que, na verdade expressam os nossos desafios.
Mas como sabemos nossa capacidade de conhecer não é algo biologicamente herdado, ainda que possamos adquiri-la, de forma bruta, no próprio enfrentamento do viver com suas adversidades e contradições, razão pela qual nos permitimos verbaliza-las em nossas opiniões, como comentamos anteriormente.
Mas, essas formas de manifestação sensitivas individuais - opiniões que são adjetivas por nossas heranças de formação cultural decorrentes de nossas origens familiares, de classe, morais, éticas, religiosas e mesmo de trabalho - para ganharem utilidade efetiva como recurso de compreensão, precisam ser qualificadas, mediante a contribuição decorrente do resultado de pesquisas cientificamente conduzidas e do produto de entendimentos resultantes do confronto de discussões e debates organizados especificamente com tal fim por todos que integram nossa profissão.
São esses processos que asseguram que o que conseguimos apreender e compreender sob uma determinada situação sejam menos distorcidos – de uma parte pelas verdades da ciência, sempre perfectíveis, e de outra, pela ideologias que em suas diferentes formas de expressão, se apresentam a nós como preceitos incontestáveis e sob formas diferenciadas de mecanismos de representação da verdade nos planos econômicos, políticos e sociais de nossas sociedades.
Por tudo isso a tarefa de apreensão da realidade precisa ser enfrentada mediante processos baseados e fundamentados não apenas em métodos científicos de pesquisa, biológicas, porque essas embora importantes não são suficientes para abranger o acontecer de totalidade que determina a forma de funcionamento da sociedade em seus diferentes espaços e segmentos organizacionais e que determinam a Odontologia.
Portanto a militância (ação para a transformação) prescinde para quem, com seriedade, pretende exercê-la um esforço especifico de formação teórica, cujas bases nosso ensino tradicional, com seu viés tecnicista, não só descurou como, em certa medida excluiu, falhando em seu desejável papel de formação cidadã, de que nos fala o educador Paulo Freire. Um sistema educacional profissional voltado para a preparação de um ser de consciência critica capaz de, com outros, intervir na dinâmica social.
Mas, a par dessa formação geral, que permite e exige aprofundamentos, é necessário, de início, pensar a problemática da Odontologia e sua prática, em sua totalidade e em suas diferentes formas de expressão, seja como de profissão, de componente da política de saúde, parte integrante do setor produtivo e de campo do saber médico, entre outros espaços da sociedade onde ela se faz presente e atua.
Afirmamos com isso que a Odontologia não se conforma ou se produz no vazio. Desenvolve-se em sociedades concretas, com modos de produção dominantes e concretos, legitimados por modelos sócio/econômicos/políticos também concretos.
Daí decorre e é preciso ter em conta que a atual prática não é como é, e vem sendo, porque assim, por fatalismo, está determinado que seja. Ela assim é porque, desta forma, responde às necessidades objetivas de manutenção e reprodução do modelo sócio/ econômico/político dominante que, a cada momento ajusta-se para garantir sua própria natureza.
Em consequência disso é que se reduzem os espaços para que, em uma difícil ação contra hegemônica, se logre a implantação de modelos de práticas médicas diferenciadas e mais coerentes às reais demandas sociais e capazes de oportunizar condições de vida digna para seus profissionais trabalhadores. Certamente um dos principais desafios que, entre outros, se colocam para Odontologia.
Além disso é preciso se considerar que à estes condicionantes, para compreensão da realidade, somam-se os que explicam como nossa prática profissional se articula e é determinada por essa estrutura social, a saber: pelas exigências do modo de produção dominante; pela relação de forças que se estabelecem na dinâmica social; pelas intervenções do Estado e pela conformação interna da própria ciência médica.
Nestas condições alertamos para que as tentativas de comparar o desenvolvimento de nossa prática com situações de outras sociedades só pode ser tomada como meras referências, que pouco ajudam a compreensão da nossa situação em particular. Não somos mais nem menos, somos apenas diferentes em nossas maneiras de praticar a odontologia e atender às necessidades de nossas sociedades, em suas diferenças organizacionais.
Outro aspecto que precisa ser levantado como condição para se alcançar o conhecimento de nossa realidade é a de considerar que o processo histórico de desenvolvimento de nossa formação social, expresso em sua estrutura, também é marcado por suas conjunturas, ou seja, períodos temporais de tempos presentes, determinados tanto, por eventos sócios políticos eventuais, como pela dinâmica de situações determinadas pelo contexto de mundialização e globalização da política e da economia.
Nessa perspectiva precisamos estudar e compreender as razões que nos levaram a mais uma situação de crise expressa no campo econômico, político, social e ético que vive o país.
Tal condição não pode ter outro efeito senão o de aprofundar consequências deletérias para nossas condições de vida, portanto de saúde, de saúde bucal, na medida em que a assumimos e trabalhamos sob o conceito de que saúde nada mais é que qualidade de vida, expressão das contradições que as mulheres e os homens vivenciam no experiencial do seu próprio viver em sociedade. Ou seja, uma condição que sempre, mas de forma qualitativamente diferenciada, estará presente, em função do grau de justiça e equidade alcançado pela sociedade.
Nesse contexto os desafios que se apresentam a todos nós para enfrentar tal situação são enormes e sua superação não repousa somente nos avanços da tecnociência, como se tenta fazer crer, mas no domínio de recursos sócio/políticos que melhor nos habilitem para participar e protagonizar na dinâmica social.
Além disso, é preciso reconhecer que, nesse momento da realidade, se fragiliza o tecido social, com reflexos no “ânimo” das pessoas, e das categorias profissionais que empobrecidas em suas condições de sobrevivência, tornam-se suscetíveis ao convencimento ideológico que se volta para a quebra na crença da cidadania, na quebra da vontade de participação, na produção da descrença, na necessidade e possibilidade de mudanças. E o que talvez seja o pior: na crença em salvadores messiânicos.
È desta forma que no cotidiano, por meio da ação de aparelhos do Estado, procuram nos convencer no mínimo como possível, na espera como algo necessário e natural, na não gratuidade como mecanismo para se buscar a equidade social, na racionalidade contábil e no equilíbrio fiscal como determinante dos limites sociais.
Isso tudo se traduz no corte de verbas e redução dos quadros funcionais dos serviços públicos, na privatização do patrimônio público como mecanismo de desqualificação dos seus serviços, sem falar na crescente transferência de capital para atender interesses privados, enfim na resolução por reflexo, como substituto da conquista e da luta.
Sob essa lógica o recado que nos traz é o de que não precisamos nos mobilizar , nos organizar, para reagir e tentar mudar.
Mas, resta ainda considerar como temos nos comportado e preparado para dar a resposta devida a uma pergunta impossível de calar, proferida por aqueles que engailados, se escondem dizendo: E nós com isso?
A resposta é uma só: Vencer a alienação e a crença de que tudo isso é natural e se resolverá espontaneamente. Ou seja, reagir é preciso, Nos organizarmos é preciso. Prepararmo-nos para o protagonismo é fundamental.
Em tais circunstâncias é necessário superar a inércia mediante novas estratégias de organização, até mesmo para protegermo-nos dos mecanismos de cooptação que esse tipo de poder econômico-político, exerce levando-nos a participar e aderir a cultura do “emprendedorismo individual”, do “salve-se quem puder” e de que a lógica a dominar nosso comportamento seja a de “levar vantagem em tudo” ou “buscar sempre ser amigo do rei”, para colher as migalhas do “butim”.
Esse conjunto de condutas nos empurra para a “normose”- patologia do comportamento – considerada a doença mais prevalente da sociedade moderna – a mesmice, comportamento que nos leva ao “agir de rebanho”, ou seja a abrirmos mão de nosso livre arbítrio para justificar nossa alienação e descompromisso com o que deve ser o certo, moral e ético.
A tarefa, pois, é imensa mas, como já afirmamos, não impossível. Com perseverança e consciência da responsabilidade que recai aos que não hesitam é preciso enfrentá-la, nos reconstruir e agir. Como diz o ditado popular: “Jacaré parado vira bolsa” ou se quiserem, utilizando o titulo dado a este texto: “Se nada fizermos ficaremos indefinidamente preso na gaiola, a espera que uma alma piedosa abra a porta para nossa liberdade ( leia-se autonomia de voo)”. Assim cabe a pergunta:
A QUEM CABE A RESPONSABILIDADE PARA TENTAR ABRIR A GAIOLA?
Sem duvidas a iniciativa deve partir dos interessados, inconformados, organizados e dispostos a romper com a inércia que tem se caracterizado por comportamentos tímidos, de passividade, de esperança vazia, de crença em que, por si a situação, se resolva, ou que isso venha a ocorrer por algum tipo de milagre, aliás uma praga que se espalha em nossa sociedade, como promessa messiânica.
Mas a desgraça não para por aí. Outras formas de evitar o compromisso se estabelecem. Muito presente, por exemplo, a
acomodação na espera de que outros se sensibilizem com nossas insatisfações e demandas e assumam o papel de nossos representantes na busca de soluções que, em muitas das vezes, não são as nossas.
Se esse continuar sendo o comportamento da categoria só resta “esperar sentados, chorando o leite derramado”, pois, no mundo que vivemos não há lugar nem para milagres nem para salvadores. Ou nos organizamos para ir a luta ou lentamente definharemos, como já vem acontecendo. E é bom deixar claro “não encontraremos padrinhos políticos, mesmo que sejam “amigos” ou “colegas” para nos salvar das situações, ainda que, alguns deles, tentem ajudar.
È necessário entender que nos espaços da política partidária, individualidades contam muito pouco. Além disso para a tomada de decisões nem sempre prevalece a relevância e importância das questões, mas a conveniência para acumular poder.
Resta neste quadro o protagonismo daqueles que não hesitam ir a luta em defesa daquilo que consideram ser direitos, valores e princípios de justiça. O que se traduz na prática do controle social que a sociedade e a classe trabalhadora, de que fazemos parte, for capaz de exercer em defesa das consignas que nela se formulam em seu viver.
Em relação a esse quadro tão deplorável aqui desenhado vozes de desacordo e protesto poderão se levantar. Na melhor das hipóteses, para não desqualificá-lo com expressões que não seriam publicamente adequadas, provavelmente, dirão que a caracterização da “questão Odontológica” aqui apresentada em suas linhas gerais é “pessimista”, sob a alegação de que, ao contrário, “Vamos muito bem, obrigado.”, “A Odontologia se aprimora a cada dia. É uma das melhores do mundo”, “As ações e medidas de defesa já vem sendo tomadas”, tanto que “Os “pássaros gorgeiam de alegria” podendo chegar ao limite do dizer: “Tudo isso é coisa de alarmistas”.
Mas, digam o que disserem, isso, infelizmente, não é o que se percebe em postagens de profissionais nas redes sociais. E não são fake news. São manifestações de dificuldades reais, com nome que identifica seus autores, que no geral recebem comentários de apoio e reverberação das preocupações nelas contidas, por outros que vivenciam os problemas apontados e tentam, também, em suas intervenções, opinar.
Em geral, nessas postagens predominam mensagens de jovens profissionais, até mesmo porque, hoje, cada vez maior número deles ingressam e saem dos cursos de formação (que cresce vertiginosamente, como atestam dados do CFO) e entram no chamado “mercado de trabalho”. Este, por sua vez, torna-se campo de irregularidades trabalhistas, de natureza as mais diversa e inimagináveis, em termos de modalidades de exploração da força de trabalho.
Tudo isso sem falar ainda nas dificuldades de acesso da população aos cuidados de saúde bucal, reclamações que, acabam recaindo nos profissionais, embora apontem, também, para problemas e dificuldades nos serviços públicos, e no espaço privado, sobretudo nas chamadas “clínicas populares”, e em estabelecimentos que atuam para ou com os famigerados “planos de saúde”.
Vencida essa pequena “amostra de questões desafiadoras” voltemos a pergunta: a quem cabe e de quem é a responsabilidade pela organização da categoria para enfrentar as dificuldades que hoje ( algumas de mais tempo), se colocam para nossa Odontologia?.
São questões que, como já referimos, não são tarefa para individualidades, embora sem elas não se formem grupos, coletivos, e... Entidades de Representação.
Nessa perspectiva, nos parece óbvio dizer que tal tarefa cabe a todos esses tipos de “entes sociais”, que em ação conjunta, por meio de processos democráticos de articulação e ação, devem levar a frente o trabalho de organizar a categoria para participar da definição de estratégias e atividades voltadas para a superação dos desafios que venham a ser identificados.
É importante ressaltar que esse trabalho não pode deixar de incluir e contar com o apoio dos Conselhos de Saúde, frequentemente esquecidos, desconsiderados e, muitas vezes, desrespeitados em suas funções.
Mas não há como deixar de ressaltar a responsabilidade de iniciativa que recai sobre as Entidades de Representação da categoria, não só porque como a denominação genérica de representantes já diz, que tal função lhes é imanente.
Em função disso é delas que se espera a tomada de iniciativas que coloquem a categoria “em movimento”. E é conveniente ressaltar que nessa tarefa não cabem disputas entre elas, sejam de ordem legal ou referente a competências, muitas vezes utilizadas para encobrir ausências e outra vezes, simplesmente para garantir exclusividades na busca de prestigio ou afirmação. Cabe aqui, contrariando tais atitudes, mais um velho slogan que nos diz que é “A união que faz a força”.
Isto posto, encaminhemo-nos para a “proposta”, a “sugestão”, o “desafio” ou o “convite”, como queiram chamar que nos propomos apresentar, na abertura desta já longo texto. Mas antes desse final cabe, ainda ...
UMA OBSERVAÇÃO
Trata ela, para não sermos mal interpretados, de explicitar o lugar de nossa fala.
Integramos um coletivo formado, especialmente, por colegas do campo da saúde bucal coletiva para onde estamos encaminhando este texto que entendemos como uma contribuição a sua pauta de discussão com vistas ao processo de atualização e retomada de sua programação de trabalho, em grande parte prejudicada pelo quadro de pandemia que todos nos enfrentamos há mais de dois anos.
Mas, o texto ainda é de minha particular autoria. A assumimos sem nenhum constrangimento, mais pela forma livre que adotamos em sua produção literária do que por achar que contrarie qualquer dos regramentos que orientam a ação desse coletivo em que militamos - o Instituto Flavio Luce. São as razões de sua constituição que garantem e apoiam o convite que estamos propondo.
Nesse sentido, em respeito aos que não o conhecem esclarecemos que o Instituto não se caracteriza como mais uma entidade ou uma associação formal semelhante as já existentes na representação da nossa categoria profissional.
O Instituto se constitui e se organiza como um espaço de militância em que livre, autônoma e democraticamente, membros da profissão odontológica podem se reunir para, sem formalismos de qualquer espécie, realizar estudos, reflexões, críticas, debates e formulações, para dar voz e ação política a um agir profissional radicalmente comprometido com os direitos de cidadania no campo da saúde, em particular da saúde bucal. Segue essa linha de atuação o que, seu patrono o Pofessor Flávio A. Luce propugnou em sua vida e sempre defendeu baseado na compreensão de que não pode a Odontologia, a par de seus fundamento científicos, negar seu caráter de natureza sócio econômica e política, espaço onde o saber, o conhecer, busca viabilidade para o efetivo acontecer transformador da atual realidade na direção daquilo que queremos que ela venha a ser.
Isto posto ...
A SUGESTÃO
Considerando:
1º - os elementos explicativos sobre a “questão da Odontologia” neste texto em suas linhas gerais exposta;
2º - a necessidade de configurar essa “questão” de forma precisa tanto no que se refere a problemas e dificuldade para exercício profissional das categorias dessa área, quanto para o cumprimento da função social que recai sobre a odontologia;
3º - a importância de mobilizar a categoria para a participação nesse processo desde a fase de definição desse “diagnóstico” quanto na de elaboração, democrática, de uma estratégia de ação solidária e coletiva para enfrentar a pauta de desafios a serem enfrentados e de objetivos serem perseguidos;
4º - a necessidade de se discutir a constituição de um protocolo de responsabilidade em relação a implementação dessa tarefa por parte das Entidades de Representação da categoria e Grupos ou Coletivos de profissionais da área de saúde bucal que manifestarem disposição para integrar essa iniciativa;
5º - a conveniência de obter apoio de parte dos Conselhos de Saúde e dos órgão do poder público, tanto do legislativo quanto dos executivo, responsáveis por áreas do setor de saúde, para a realização da iniciativa e da atividades que poderão fazer parte de sua programação de trabalho;
6º - a importância de envolver e ouvir a população, por meio de entidades de representação de seus segmentos, nas discussões que virem ser desenvolvidas;
7º - a necessidade de se dar início a essa iniciativa o mais breve possível de forma a munir a categoria com elementos concretos para se intervir na dinâmica social, com posições na medida do possível unificadas em relação as demandas e posições consideras de relevância para atender os interesses da categoria na condição de trabalhadores e da população em suas necessidades de atenção;
8º - a necessidade de, em caráter preliminar, constituir forma democrática e participativa, uma comissão encarregada de tomar as medidas iniciais para colocar esta proposta à consideração da categoria.
Neste sentido submetemos ao Instituto Flavio Luce a seguinte...
PROPOSTA
1 - assumir a tarefa de divulgação, a mais ampla possível, deste documento/convite para as entidades, coletivos e órgãos nele citados.
2 - Incluir nesse encaminhamento o agendamento de uma primeira reunião formada por representantes dos “entes sociais” nele citado , voltado para exposição da apreciação do documento enviado
3 - Deliberar sobre a composição da Comissão Provisória encarregada das providencias inicias para funcionamento de um Fórum permanente de Acompanhamento da “Questão odontológica”.
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