Por Fernando Molinos Pires Filho
C. D. Professor aposentado da FO/UFRGS/Mestre e Doutor em Odontologia Social
No sentido de contribuir para a formação teórica e estimular o protagonismo sócio-político dos profissionais que, nos diferentes espaços de conformação da Odontologia, atuam no campo da saúde bucal coletiva, entendemos oportuno, em caráter pessoal, nos manifestar publicamente e, em especial, dirigirmo-nos a categoria odontológica para expressar nosso entendimento em relação à recente nomeação de um novo responsável pela Coordenação Geral de Saúde Bucal do Ministério da Saúde, conforme Portaria MS nº 1.557, de 17/6/2020, publicada no Diário Oficial da União, de 16.06.2020, assinada pelo Ministro de Estado da Saúde Interino, Sr. Eduardo Pazuello.
Com esse objetivo entendemos que se torna necessário contextualizar a questão para um melhor entendimento do porquê desta manifestação.
Neste sentido, em se tratando de uma manifestação pública e, em especial dirigida a categoria odontológica, como afirmado, julgamos necessário deixar claro, que para além do que acima explicitado sobre esse propósito, também, devemos politicamente agir em decorrência de nosso inalienável compromisso com a democracia, com a justiça social e com a saúde como uma questão de direito de todos e responsabilidade do Estado, expressa em seu conceito de qualidade de vida.
Tal condição nos torna sujeitos políticos que articulados e organizados coletivamente precisamos lutar por tal direito, participando ativamente da formulação e garantia das políticas publicas de saúde em sua ampla dimensão. Atuamos, pois, na intenção de fortalecer e qualificar o protagonismo sócio-político da categoria odontológica na dinâmica social.
Nessa perspectiva é preciso lembrar que foi exatamente esse sinergismo coletivo que fortaleceu e garantiu a implantação no pais, integrando o Sistema Único de Saúde, sua vertente de saúde bucal, expressa na política Brasil Sorridente, mundialmente reconhecida.
Todavia, entendemos, também, que enquanto tal política não assumir a condição de uma política de Estado permanecerá suscetível a mudanças decorrentes das nuances ideológicas de Governos que se sucedem no comando do país, descaracterizando-a de seus pressupostas fundamentais o que torna essencial o controle social sobre como é conduzida
È nesse contexto que se coloca a questão da escolha dos gestores responsáveis por essa área na estrutura do Ministério da Saúde. Sem um comando técnico/científico competente seguramente fica a gestão dessa área fragilizada e suscetível de intervenções que podem prejudicar seu planejamento, execução e sempre desejável qualificação.
Portanto não se trata a questão em pauta de um aspecto menor ou, simplesmente, coorporativo como pode ser pensado por alguns, alegando, inclusive, que tal nomeação é de exclusiva competência governamental, não cabendo qualquer interferência no processo.
Para analisar esse tipo de entendimento basta que se tente dar resposta a uma única pergunta:
Será que em um país que tem:
- um dos maiores contingente de profissionais de Odontologia do mundo (em 2019 segundo dados do CFO mais de 324 mil C. Dentistas;
- um dos maiores número de Faculdades de Odontologia ( 412 dados do CFO de 2019), que formam profissionais cada vez mais competentes na área de saúde bucal coletiva em função da implantação das novas diretrizes curriculares e,
- um enorme contingente de pesquisadores reconhecidos mundialmente em várias especialidades, inclusive no campo da gestão em saúde bucal,
não pode encontrar um profissional de Odontologia para ocupar o cargo de Coordenador Geral de Saúde Bucal no Ministério de Saúde e, ao invés disso, lança mão de uma pessoa sem registro no CFO, o que indica a possibilidade de não ser da área e, sem expertise a não ser a de promoção de eventos, segundo indicam as primeiras informações colhidas ?
Posta a questão dessa forma e, antes de avançar na apresentação de nosso posicionamento quanto a questão assim caracterizada, solidarizamo-nos, também, com as indagações e posicionamentos assumidos e manifestos por inúmeras Entidades do campo da Odontologia, entre elas, a da Associação Brasileira de Odontologia ABO, o Conselho Regional de Odontologia de São Paulo - CROSP, da Federação Interestadual de Odontologistas - FIO, do Grupo Temático de Saúde Bucal Coletiva da Associação Brasileira de Saúde Coletiva – GT-SBC-ABRASCO, e da Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva – ABRASBUCO, que por meio de ofícios e notas de repudio, registraram sua absoluta discordância com a forma e a escolha feita pelo Governo, para tão importante cargo.
Todavia, mais do que ampliar e dar ressonância a esses protestos, suficientemente, com propriedade, argumentados por essas entidades, conforme registram alguns de seus trechos que destacamos ao final deste documento, nos parece importante situar o fato no contexto do momento que vive o país, o que lhe dá a verdadeira dimensão e significado.
Neste sentido faz-se necessário registrar que independentemente de posições ideológicas não há como negar ou ignorar que nosso país enfrenta uma das mais graves crises sanitária, econômica e política de sua história e, que segundo se torna cada vez mais evidente convive com um governo que, de costas para a sociedade, se caracteriza:
- pelos seus desmandos e por medidas e comportamentos antiéticos que se contrapõem aos esforços que a sociedade, em particular a classe trabalhadora, vem fazendo no caminho da conquista da justiça social e da afirmação do estado democrático de direito;
- pela negação e o desrespeito as práticas de diálogo e construção colaborativa com os movimentos e entidades de representação social popular, fundamentos, para a qualificação e aprimoramento da democracia participativa e da justiça social;
- pelo desprezo e o verdadeiro desmonte das instituições públicas responsáveis pela formulação e condução das políticas públicas em particular as do campo social como os da educação e da saúde, submetidas em seus funcionamentos a lógica do chamado ajuste fiscal;
- pela negação dos princípios de uma administração qualificada e responsável das instituições públicas, sobretudo no que respeita a necessidade de que a ocupação de seus quadros funcionais de direção se efetive por meio de profissionais de ilibada conduta moral e técnica, que embasados na ciência em suas respectivas áreas de conhecimento, sejam capazes de formular políticas e estratégias para encaminhar soluções aos desafios que se apresentam ao desenvolvimento do país e ao provimento dos cuidados necessários à conquista da qualidade de vida da população, em especial de seus segmentos de maior vulnerabilidade social e econômica.
Enfim,
- por um governo que vem se demonstrando despreparado e incapaz de buscar para ocupar as funções de direção da estrutura pública profissionais com formação, especializada em suas respectivas áreas e devidamente qualificados por um currículo que comprove familiaridade e experiência em relação ao enfrentamento das questões que se apresentam como desafios às necessidades que se colocam para a construção de uma sociedade mais justa humana e solidária.
Assim, a par e, em conseqüência disso, deslavada e irresponsavelmente, constroi em torno de si um corpo de apaninguados, apadrinhados, verdadeiros aventureiros no exercício da coisa pública, incapazes de responder a suas funções de condutores da administração do Estado, em absoluto desrespeito a Constituição da República que em seu Art. 37 estabelece que “A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência .....”.
Nesse contexto, para além de protestos e cobranças das autoridades governamentais, em relação ao fato objeto de nossas denuncias, há que se ter presente que o mesmo se repete em outros ministérios (vide o exemplo recente do escandaloso episódio da nomeação para o Ministério da Educação), situação que somada a tendência de “militarização excessiva do serviço público civil”, ( na fala do Ministro Bruno Dantas do Tribunal de Contas da União) “pode representar um quadro perigoso e de risco de desvirtuamento das forças armadas do país”.
Em função disso o TCU vai apurar o número de militares que ocupam cargos civis no governo atual, estabelecendo um comparativo entre o número atual de militares no Executivo e o registrado nos últimos três Governos.
E, para que essa composição não fique sem referência concreta a situação existente registre-se que atualmente quatro ministros militares ocupam Gabinetes no Palácio do Planalto: o General do Exercito Walter Souza Braga Neto (Casa Civil), o General da reserva do Exercito Augusto Heleno ( Gabinete de Segurança Institucional), O General do Exercito Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e o Major da reserva da Policia Militar do Distrito Federal Jorge Oliveira (Secretaria Geral). Além deles, também são militares os Ministros da Defesa, Fernando Azevedo e Silva (General do Exercito), da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes (Tenente Coronel da Aeronautica) de Minas e Energia, Bento Albuquerque (Almirante da Marinha).
Isso sem detalhamento que no segundo e terceiro escalões dos Ministérios há um grande número de cargos ocupados por militares e, lembrando ainda que o Ministro da Educação demissionário Carlos Alberto Decotelli da Silva (Oficial da reserva da Marinha) seria mais um e o atual Ministro Interino da Saúde Eduardo Pazuello também é militar ( General de Divisão do Exercito Brasileiro).
Assim com essa digressão queremos chamar a atenção para que uma postura de crítica a atos administrativos burocráticos de nomeação para cargos de confiança, que a princípio podem, a uma leitura superficial e decontextualizada, ser interpretadas e parecerem uma ação coorporativa de parte dos que assim se manifestam, na verdade constitui-se em uma ação política de controle social absolutamente legitima em um estado democrático de direito.
È exatamente esse exercício político o instrumento que garante a transparência da administração pública capaz de desvelar e expor as razões e propósitos que orientam a prática dos governantes, negando-lhes legitimidade quando atentam contra os princípios constitucionais que orientam a administração pública e ignoram os princípios dialógicos da governança socialmente democrática e participativa com os movimentos sócias.
Desta forma, nos permitimos concluir este registro com a conclamação feita pela ABRASBUCO:
“Conclamamos à essa luta, portanto, todos os que se identificam com a posição externada neste documento e os convocamos a definirmos a melhor estratégia para encaminhar nossas atividades que não cessarão enquanto não colocarmos, à frente da Coordenação Geral de Saúde Bucal alguém identificado e comprometido com a PNSB, construída nas conferências de saúde bucal e nas lutas do povo brasileiro em defesa do SUS e do direito à saúde.”
Entendemos, pois, que o desafio que se coloca é de encontrarmos, para além de repúdios formas concretas de luta para reversão desse intempestivo e arrogante ato administrativo, de forma a reverter tal nomeação, como por exemplo a organização de uma petição pública e uma ação nacional junto a bancada de deputados de todos os partidos em todos os Estados, dando conta dessa inapropriada nomeação exigindo sua reversão em atenção ao repudio da Odontologia brasileira.
· ARGUMENTOS E JUSTIFICATIVAS APONTADOS NOS DOCUMENTOS DAS ENTIDADES AO REPUDIAR A NOMEAÇÃO DE NOVO RESPONSÁVEL PELA COORDENAÇÃO DE SAÚDE BUCAL DO MINISTÉRIO DA SAÚDE
· “ Ao realizar uma consulta de profissionais no site do Conselho Federal de Odontologia e na base de dados do CROSP, não identificamos qualquer relação do novo Coordenador com a profissões odontológicas. CROSP”
· “Temos como concepção que a Coordenação Geral de Saúde bucal do Ministério da Saúde deve ser órgão máximo na defesa intransigente do direito à saúde bucal de qualidade para todos, conforme estabelecido nas diretrizes do Sistema Único de Saúde Bucal – GTSBC-ABRASCO
· “... troca-se a coordenação sem a mínima observância dos critérios técnicos para ocupar essa função, tal situação, promove a descontinuidade da política de saúde bucal em curso, o que denota a falta de compromisso político do Governo. Como se já não bastassem a escassez de recursos financeiros pelo sub-financiamento do SUS e a nefasta Emenda Constitucional 95/2016 que congela os gastos públicos por 20 anos, além das mudanças na forma de repasse dos recursos financeiros determinadas por portarias Ministeriais ( 2436/17-PNAB e 2979/19 - PREVINE BRASIL).” – ABRASBUCO
· “..., merece registro e o nosso mais veemente repúdio, o fato de a referida nomeação ser feita sem qualquer consulta e diálogo com os profissionais, as entidades e movimentos sociais com atuação no setor. Causa- nos espécie tamanho desrespeito e desconsideração com esses segmentos, pois o governo Bolsonaro comporta-se como se estes não existissem ou como se nada tivesse que dialogar, ouvir, ponderar, propor - ABRASBUCO
· “Além disso, sua nomeação não é condizente e com a decisão da 3a Conferência Nacional de Saúde Bucal (Brasília, 2004) que aprovou, no Eixo "Formação e Trabalho em Saúde Bucal", a deliberação de número 24, determinando que se deve “assegurar que os cargos de gerência ou coordenação de saúde bucal sejam ocupados por cirurgião-dentista com formação em saúde pública, gestão em saúde e/ou odontologia coletiva, com aprovação pelo respectivo conselho de saúde”. - ABRASBUCO
· Pelo exposto, a Federação Interestadual dos Odontologistas reitera o seu repúdio e se coloca frontalmente contrária a essa prática mudancista desta Coordenação para atender a interesses que não contribuem para o fortalecimento da saúde bucal no SUS – FIO
· Por tal razão não será o tempo que nos fará silenciar. Nos manteremos, dentro de princípios democráticos inarredáveis em nosso direito de fala e de crítica. Mais de que isso, não retiraremos nosso entendimento e postura indicativa de que tal ato de nomeação deva ser reconsiderado, indicando-se alguém com expertise, currículo e familiaridade prática com as questões que envolvem tal cargo. - IFL
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