POR Fernando Molinos Pires Filho
Publicado em PROGRAMAÇÃO DE TRABALHO - INSTITUTO FLÁVIO LUCE, em 2019.
“Quem forma se forma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. È nesse sentido que ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é a ação pela qual o sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém”.
Paulo Freire
Estudos e pesquisas, apresenta-se como primeiro eixo dos 6 que conformam a Programação de Trabalho do Instituto Flávio Luce. E nem poderia ser diferente quando se considera que é a formação teórica dos profissionais da Odontologia, que se dedicam ao campo da saúde bucal coletiva, o atributo que se coloca como principal propósito de sua existência.
Há, todavia, que se considerar que tal associação não se estabelece, simplesmente, por que a formação teórica se configure como uma ação educativa tomada em seu sentido mais genérico, mas sim porque a concepção de educação que orienta seu desenvolvimento, associa-se ao propósito de se educar para a vida e não apenas educar para as necessidades do mercado de trabalho.
Quando a ação educativa é tomada no sentido restrito de instruir o individuo para um fazer técnico que o habilite ao exercício de uma profissão com vistas a sua inserção no mercado de trabalho, a par de transferir a esse profissional o privilégio ou monopólio desse tipo de exercício produtivo, independentemente da natureza desse fazer, tende a descurar de sua preparação para a vida, não lhe fornecendo elementos de compreensão da realidade que condiciona e conforma a organização desse pensar e fazer na sociedade. Tal tipo de formação induz a um pensar de autonomia plena, que se traduz na perspectiva do chamado exercício liberal da profissão.
Entretanto, quando a ação educativa é direcionada para a preparação do cidadão, independentemente, da sua habilitação para o mundo do trabalho, a preocupação volta-se para sua conscientização, ou seja, sua capacitação ao exercício da consciência da realidade social em que exercitará sua profissão, comprometendo essa prática, com a transformação das desigualdades resultantes de um ordem social geradora de injustiças e desigualdades, no mais das vezes extremas, que exclui qualquer possibilidade dos indivíduos acessar ao mercado, limitando sua prática aos que podem pagar pelos serviços que oferta, mesmo que esses sejam essenciais a vida como o são a educação e a saúde, entre outros.
Nessas condições a educação para o mercado restringe as possibilidades desses agentes produtivos pensarem nos compromissos sociais inerentes a formação que receberam, mergulhados que estão nas preocupações decorrentes das crises econômicas que afetam o mercado, situação para qual não lhes foram dadas condições de interpretação, obrigando-os simplesmente a busca de adaptações e qualificações suplementares para vencer a disputa que o mercado impõem, entre os produtores de bens e serviços.
Mergulha-se o profissional no mundo empresarial e na condição de trabalhadores empregados. A primeira ocupando-o com a busca de conhecimentos de empreendedorismo, gerenciais, de marketing, de venda e de cobranças. A segunda tornando-os, a contra gosto, vitimas do canibalismo entre profissionais empresários, a sub empregos e empregos públicos terceirizados ou mesmo absolutamente mal remunerados, em função dos chamado ajustes fiscais que justificam a desconsideração pela vida desse tipo de trabalhador, sujeitos as lei das reformas trabalhistas e previdenciárias que aprofundam a perda de dirito dos trabalhadores.
Mas dessa situação os profissionais só se apercebem quando, liberados de seus processos formativos formais, enfrentam a realidade de suas vidas profissionais.
Tais circunstâncias de vida o despertam para uma realidade difícil de ser enfrentada porque, para nela inserirem-se, não lhes foram oferecidas as condições e elementos de interpretação e, o que é mais significativo ainda, nessas condições existenciais, o mundo os leva a um desapego dos fundamentos e compromissos sociais de cidadania, entendida como o respeito a seus direitos e suas responsabilidades sociais. A preocupação volta-se, quase inteiramente para a busca de fuga do caos, em um clima de salvem-se os que puderem, consumindo cada vez mais cursos de aperfeiçoamento, apresentados como investimentos.
Daí a necessidade de buscar e suprir esses elementos de formação teórica, como uma volta aos estudos, não mais técnicos mas, de natureza humanística, que lhes fundamentem para um protagonismo comprometido com a superação das condições adversas de exercício e de vida seus e da população que depende desses serviços essenciais.
Tal formação pedagógica, entretanto, não pode mais se dar na condição objetal que a educação formal, em geral, lhes impôs, em um processo de transferência simples de informações, matérias, conteúdos a priori construídos, numa repetição de processos educacionais tradicionais, para aprendizes vazios de experiências decorrentes de suas práticas de vida e profissionais.
Esse novo momento formativo precisa ser assumido como um processo continuo, inacabado, porque renovado a cada momento pela dinâmica da vida, que continua e, também precisa ser aprendida, mediante métodos científicos de apreensão da realidade. A pesquisa participativa, o estudo temático, das diferentes facetas dessa realidade torna-se o meio para fundamentar um aprendizado de percurso, onde o pensar debruça-se sobre o fazer, resignificando-o a luz da realidade que vai sendo desvelada e transformada, pelos que a vivem como autores de suas práticas e destinos.
Esta é a lógica da formação teórica proposta pelo Instituto que fundamenta-se em um processo participativo em que os temas gerados na vida real passam a ser submetidos a um processo de estudo crítico do saber acumulado sobre eles, orientando investigações que buscam adequá-los a realidade vivencial dos que se mostram interessados em conhecê-la e transformá-la, segundo intencionalidades construídas nos fundamentos de qualificação dos processos civilizatórios que cada vez tornam-se mais necessários para a sobrevivência da espécie humana, em um planeta e numa sociedade que expressa evidentes sinais de colapso existencial.
E, não é por outra razão que ao abrigo desse eixo a programação de trabalho do Instituto fundamenta-se na constituição de um Grupo de Trabalho de Estudos e Pesquisas aberto, inclusive a participação de acadêmicos de Odontologia, que em uma primeira atividade propõe a realização de um estudo /pesquisa sobre o perfil do c. dentista gaúcho, seguindo a máxima do filosofo Sócrates Conhece-te a ti mesmo!
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